Feche os olhos, respire fundo e ouça. Lentamente alguns sons se manifestam, alguns podem ser ouvidos com mais atenção, outros com dificuldade. Algo está acontecendo. Para que um som ganhe sentido, precisamos estar disponíveis às experiências que ocorrem, afundar livremente nas camadas do pensamento como mergulhar no mar, ouvir/sentir as ondas atravessando. Cada estalo que se escuta contém novas informações que viajam dentro de você.
Sentir esse som pode nos revelar existências invisíveis que transitam na experiência do corpo. A possibilidade de notar a participação de tais forças em nossa composição perceptiva requer a ativação de modos de atenção peculiares, uma disponibilidade para a experiência e a confiança em atribuir valor para tal porção da experiência física. Ao tomarmos a experiência atmosférica, destacada por Manning no capítulo “Padrões Climáticos Ou como os gestos menores entretêm o ambiente”, do livro Gesto Menor (2016, tradução nossa), observamos que há uma qualidade operativa que entrelaça aspectos sensoriais no ambiente, e a partir disto é que se compõe o corpo. A autora especifica: “Todo padrão do clima inclui um gesto menor. O gesto menor é o pulsar de uma diferença que faz com que a ecologia de uma experiência seja sentida.” (p. 64).
Convido a nos sintonizarmos com o ar, tudo o que ocorre através dele age como uma força invisível que impulsiona o movimento e os sentires. A imobilidade não existe: tudo está se movendo e abrindo espaço para que novas fronteiras desafiem o que conhecíamos e que até então nos pré-compunham.
Quando descubro a passagem que me leva à escuridão, sou impulsionada a querer iluminar o escondido. A cada camada acessada, revelam-se cores que habitam a escuridão, um mundo escondido na velocidade, nas brechas, nas franjas, nas barreiras e na fluência entre os significados. Sinto que penetro o impossível. Nesse sentido, Gaga permite unir o que estava separado e carrega uma liberdade e vontade em seguir meus instintos, a dançar todos os invisíveis para fazer existir a minha pequena dança.
Gaga vai além dos sentidos e, posso afirmar, a cada estímulo proposto nas aulas, algo acontece em direção ao inusitado, trazendo potências que estavam em germe. A prática ensina dançantes a experimentarem para além dos limites que contêm o possível alcance do movimento. A novidade nas associações construídas ocorre e repentinamente algo muda, surgem qualidades imprevistas ao movimento gerado. Reconheço a força nesta potência criativa, como se houvesse permanecido nas camadas opacas, dando luz e tons à forma do corpo. É como um rugido silencioso. Para mim, Gaga acontece na esfera de um rugido silencioso que impacta e reverbera minha dança, pulsa e compõe o corpo.
Demmy Ribeiro
Doutoranda em Artes Cênicas (UDESC)
Mestra em Letras e Artes (UEA)
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